Guaranis e Kaiowás são assassinados no MS e lideranças denunciam latifundiários
Secretaria de Segurança Pública do
Estado averigua a acusação, mas lideranças indígenas afirmam que
política local é conivente com mandantes de crime brutal
Da Redação, São Paulo, SP, 01/04/2025
Família Kaiowá
ocupando o território legalmente devolvido aos povos originários na retomada
Avae´te.
Crédito: arquivo pessoal
Uma mulher indígena e seus dois
filhos foram carbonizados vivos em Dourados, no Mato Grosso do Sul,
durante a madrugada desta segunda-feira, dia 31. Oficialmente, a Polícia
Civil dá outra versão ao caso dizendo que uma idosa de 60 anos, outra
mulher de 36 anos e seu bebê de um ano de idade, foram mortos. A Assembleia
Geral do povo Kaiowá e Guarani (Aty Guasu) afirma que se tratou de um
ataque premeditado em retaliação à retomada de terras tekoha Avae’te. A
mesma assembleia acusa abertamente o latifundiário Allan Christian Kruger
como mandante do crime.
As lideranças indígenas contam
que a ação faz parte de uma campanha da família latifundiária com o apoio dos
políticos locais. A Polícia Militar (PM) atuou de forma
contundente para barrar a presença indígena. Os líderes relatam que houve uma ocasião na
qual 20 indígenas tentaram ultrapassar uma trincheira construída no território
e a PM foi acionada para conter os Guarani-Kaiowá com balas de borracha, de
chumbo e spray de pimenta.
Em nota, a Secretaria de
Estado de Justiça e Segurança Pública do MS declarou que não constatou a
presença de opositores da causa indígena, levando a entender que o conflito
seria interno, entre os membros da tribo. A nota informou que o local da
ocorrência foi examinado pelas polícias Civil e Militar e por peritos
criminais, com a audiência de três testemunhas. “Não há qualquer evidência,
no momento, da presença ou participação de não indígenas no fato em apuração.
Averigua-se a tese de incêndio criminoso com a participação de pelo menos dois
autores, ainda sem identificação”, conclui a Secretaria.
Mais tarde, porém, a mesma
secretaria atualizou o caso com mais uma versão. O Setor de Investigações
Gerais de Dourados afirmou que “elucidou o crime de triplo homicídio”.
A polícia afirma que “uma
mulher de 29 anos com sinais evidentes de queimaduras recentes, compatíveis com
o lapso temporal em que o crime teria ocorrido foi presa em flagrante". De
acordo com a nova versão, “As lesões foram analisadas pela perícia médico
legista e reforçaram os indícios de sua participação no evento criminoso”.
Não há nenhuma informação sobre os motivos do suposto homicídio.
A nota ainda descreve detalhes
sobre a reconstituição do crime: “a suspeita teria desferido um golpe
contundente contra a idosa, utilizando um pedaço de concreto. Em seguida,
asfixiou a criança de um ano. Após esses atos, ateou fogo na residência,
enquanto a terceira vítima – uma mulher de 38 anos – dormia no interior do
imóvel. A autora teria utilizado líquido inflamável para dar início ao incêndio
e, ao abandonar o local, foi atingida por labaredas, o que lhe causou
ferimentos”.
O Ministério dos Povos
Indígenas informou ao portal Brasil de Fato que uma equipe do
Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Fundiários Indígenas
(Demed) se deslocará ao local para “articular medidas junto aos órgãos
responsáveis pelas investigações”.
“O MPI acionou o Ministério da
Justiça e Segurança Pública e a Polícia Federal no Mato Grosso do Sul para
solicitar a investigação do caso em caráter de urgência, pelas constantes
ameaças, violações territoriais e atos de violência sofridos pelos Guarani e
Kaiowá”, afirma o ministério indígena.
O órgão enumerou medidas tomadas
nos últimos anos para acompanhar a situação de violação de direitos humanos dos
povos indígenas e propor ações para garantir sua proteção. Entre elas estão a
criação do Gabinete de Crise Guarani Kaiowá em 2023, e, no ano passado,
o estabelecimento de uma Sala de Situação para atuação emergencial.
A deputada federal Célia
Xakriabá (Psol-MG) também se pronunciou, destacando que o caso acontece em
um território onde a violência contra os povos indígenas tem sido “constante
e brutal”, com “ataques recorrentes de latifundiários, que incluem o uso
de produtos químicos contra as comunidades, a queima de casas, a destruição
de roças e a criminalização de lideranças indígenas”.
REINCIDÊNCIA: Morte de indígenas na
região são semelhantes desde Agosto/2024
No dia 4 de março de 2025, uma
reportagem do portal A Nova Democracia mostrou de perto um ataque de
pistoleiros fortemente armados contra os Guarani-Kaiowá. Eram latifundiários e
pistoleiros chegando em caminhonetes para expulsar os indígenas de suas terras,
cavando trincheiras em torno do território e instalando uma tenda que
funcionava como uma prisão a céu aberto. Havia também um ponto avançado de
vigia dos pistoleiros e latifundiários.
Em agosto de 2024, indígenas
Guarani Kaiowá foram atacados por ruralistas armados na Terra Indígena (TI) Panambi-Lagoa
Rica, em Douradina, Mato Grosso do Sul. O ataque deixou pelo menos 8
pessoas feridas.
Naquele dia, indígena levou um
tiro na cabeça e um outro no pescoço. Segundo o Conselho Indigenista
Missionário (Cimi), relatos de indígenas acusam a Força Nacional de ser
conivente com o crime. Um disse ter ouvido de um agente a seguinte frase: “Pega
teu povo e sai daqui ou vocês vão morrer”, pouco antes do ataque.
Outro indígena foi mais incisivo: “Queremos
saber a razão da Força Nacional ter saído daqui. Os agentes saíram e o ataque
aconteceu. Parece que foi combinado. Queremos entender”, relata o Cimi ao
portal Agência Brasil.