quinta-feira, 14 de setembro de 2023

Perfil: Nathália Davi (Ocupação Agroecológica Kilombo do Capibaribe)

Foto: Felipe Duarte/curta Invasão

Caminhada pela sustentabilidade

Quem assiste ao cinema pernambucano sabe muito bem como a questão imobiliária está presente nas pautas sociais locais. Em uma cidade com crescimento desgovernado e interesses corporativos oprimindo os ideais sociais, a luta é brava. Um dos nomes dessa batalha é Nathália Davi, liderança da Comunidade Ocupação Agroecológica Kilombo do Capibaribe, que luta para que um terreno seja destinado para o estabelecimento de uma vila ecológica. 

A jornada de Nathália dentro da militância tem pontos de contato com sua vivência acadêmica. A começar pelo motivador para que ela saísse de Carpina, na Zona de Mata, para a capital do estado. Quando ela passou no vestibular para o curso de Secretariado Executivo na UFPE em 2014, teve de dar um jeito de conseguir um teto no Recife.

MUST 

Foi nessa fase da sua vida, mais exatamente em 2016, que ela conheceu a atuação do MUST (Movimento Urbano dos Trabalhadores Sem-Teto). Nathália atuava como voluntária dando aulas de reforço escolar para crianças de 5 a 8 anos de idade. Apesar de muitos dos alunos frequentarem a iniciativa da Voluntários Recife, inclusive para ter acesso à alimentação, ela percebeu que havia o abandono repentino de algumas crianças. 

Depois de uma breve investigação, ela descobriu que muitos alunos não iam mais às aulas porque seus pais estavam envolvidos em uma ocupação no bairro do Caxangá, com ações que envolviam queima de pneus para chamar atenção das autoridades e da mídia. A ação era organizada pelo MUST, movimento que Nathália começou a acompanhar de perto, apesar de ainda não se considerar uma militante.

Isso mudou durante a pandemia, quando o MUST avaliava a viabilidade de se criar uma ocupação-modelo em um terreno na Várzea. A ideia era que os futuros ocupassem a terra com lotes já definidos para cada família participante. A área era de posse da União, que doou para a Igreja que, por sua vez, vendeu o imóvel de maneira irregular para a construção de uma fábrica de ração. A obra foi embargada, tanto pelos trâmites de compra do terreno quanto pelos efeitos negativos que causaria ao seu entorno.

Autonomia Kilombola

Conforme a ocupação do Kilombo do Capibaribe ia se solidificando, ficou cada vez mais evidente que a singularidade da ação pedia por mais autonomia. Foi assim que a luta de Nathália e dos outros moradores tornou-se independente, mas sempre contando com alianças com o MUST e outros movimentos sociais.

Atualmente, a vertente ecológica da Ocupação se manifesta na instalação da Bacia de Evapotranspiração, uma tecnologia de baixo custo que utiliza as folhas da bananeira para criar uma fossa sustentável, que transforma os dejetos da comunidade em adubo. Para o futuro, o plano é usar as bananeiras do terreno para produzir doce de banana para ser comercializado e gerar renda. O produto será desenvolvido sem o uso de agrotóxico.

Outra área de ação ambiental da comunidade também está ligada à questão econômica. Nathália tem um brechó de moda circular chamado Várzea, uma iniciativa que se alia à bandeira de uma moda sustentável. 

Para o futuro, o Kilombo quer se tornar uma ecovila, mas a estrada é longa. Para isso, serão necessárias muitas ações, como o investimento em formação de mão de obra e a instalação de uma horta coletiva.

Presente e legado cinematográfico

Atualmente, a comunidade mantém suas ações enquanto espera que a ocupação complete cinco anos de existência para poder pedir a regulamentação da posse. Nesse processo, já passaram da metade do caminho.

Por outro lado, a novidade mais quente na Ocupação Agroecológica Kilombo do Capibaribe é a produção do curta-metragem Invasão ou Contatos Imediatos do Terceiro Mundo, realizado por estudantes da UFPE, mesma faculdade que Nathália frequentou e onde se formou. Apesar dessa coincidência, não foi o vínculo estudantil que levou a essa parceria.

O filme mistura linguagem documental com um lado cômico quase nonsense. O roteiro explora as consequências de uma invasão alienígena em Recife para discutir o conceito de invasão deforma mais ampla. Depois de um começo mais cômico, as cenas se direcionam para o Kilombo, para diferenciar a ideia de invasão e ocupação.

Quase como se tivesse adivinhado o futuro, desde que começou a Ocupação, Nathália realizava registros do dia a dia e da evolução das moradias no intuito de documentar a história da ocupação. A ideia era realizar algum tipo de exposição, mas a parceira com os estudantes de cinema trouxe um resultado foi muito positivo. Depois de ser exibido no Cine PE (maior festival de cinema brasileiro no Nordeste), o curta saiu do evento com os troféus de Melhor Ator e Melhor Filme pelo Júri Popular na mostra de produções pernambucanas.

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