Nobel da Paz fortalece mulheres e ativistas que enfrentam ditaduras pelo mundo
Com 17% dos prêmios já entregues na categoria, equidade de gênero ainda está longe; contudo o prêmio reconheceu mulheres importantes nos últimos 40 anos
Por Victor Bessa Luna
A concessão do Prêmio Nobel da
Paz vai muito além de um reconhecimento simbólico. Para ativistas que lutam
contra regimes autoritários e ditaduras ao redor do mundo, o prêmio funciona
como um poderoso catalisador de visibilidade, proteção e legitimidade internacional.
Um dado marcante: o número de
mulheres laureadas por sua atuação em prol da paz e dos direitos humanos supera
o de homens nas décadas recentes. Isso evidencia o protagonismo feminino na
resistência à opressões, censura e violência política.
“O Nobel dá força e
visibilidade à nossa luta. Ele mostra ao mundo que estamos sendo observadas e
que nossas vozes não serão silenciadas”, afirma Malala Yousafzai, que
recebeu o prêmio em 2014 por sua defesa da educação de meninas.
< Leia após o texto uma lista com
todas as mulheres que receberam o Prêmio Nobel da Paz >
| Fotos: reprodução/internet |
Laureadas como
Shirin Ebadi, do Irã, Malala Yousafzai, do Paquistão, e, na semana passada
Marina Corina Machado são exemplos de como a premiação oferece não apenas
prestígio, mas também uma plataforma para amplificar causas muitas vezes
silenciadas pelos governos.
“Alguns prêmios ‘Nobel da Paz’ têm o viés de direitos humanos. Mas têm também o viés político. A Marina Corina Machado, entra neste viés. Só que como lá (na Venezuela) é uma luta de direita contra esquerda - pelo menos é assim que se colocam tanto a Corina quanto o Maduro -, muitos não defendem”, declarou Rosalvo Salgueiro teólogo e filósofo e mestre em direito penal internacional pela Universidade de Granada, na Espanha.
| Rosalvo Salgueiro. Crédito: Ophira Produções |
“Precisa ser defendida uma posição pela qual eu tenho brigado e às vezes passo como reacionário perto de alguns e como esquerdista perto de outros, porque para mim isso é muito claro: violou direitos humanos, seja de direita, seja de esquerda, tem que ser condenado. Por exemplo, Benjamin Netanyahu, em Israel e Daniel Ortega, na Nicarágua, independentemente de ser direita ou esquerda”, concluiu.
Segundo especialistas, a atenção global trazida pelo Nobel aumenta a pressão diplomática sobre regimes opressores, funcionando como um escudo adicional contra perseguições, prisões arbitrárias e violência.
Adolfo Pérez Esquivel, ativista
pelos direitos humanos que enfrentou as ditaduras militares na Argentina e América
Latina e recebeu o prêmio em 1980, disse em carta aberta de “Nobel para
Nobel” que o governo de Maduro vive sob bloqueio estadunidense e que se
surpreende pela forma como Corina Machado “se agarra aos Estados Unidos”.
Ele completa aconselhando que ela “deve saber que os EUA não tem aliados,
nem amigos. Apenas interesses”.
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| “O governo venezuelano é uma democracia com suas luzes e sombras”, afirmou Esquivel. Foto: reprodução/internet |
Salgueiro discorda: “Eu não vejo o governo de Nicolás Maduro como uma democracia, mas isso não dá aos Estados Unidos o direito de bloquear, invadir e submeter, seja através de forças militares, seja através de parceiros oligárquicos locais ainda piores, como via de regra acontece no Iraque, na Líbia, no Panamá, etc. A Corina Machado está perdendo uma excelente oportunidade de ‘pós prêmio’ se tornar uma verdadeira construtora de Paz! Penso que, no mundo atual, existem muitas pessoas que mereceriam essa distinção, não apenas para ostentá-la, mas para usar como ferramenta, assim como a jovem Greta Thunberg”, afirmou Salgueiro.
Além da proteção, o prêmio também
facilita o acesso a redes internacionais de apoio e financiamento, permitindo
que iniciativas de direitos humanos e educação prosperem em contextos de
censura e repressão. Organizações como o Centro para Liberdades Civis, na
Ucrânia, ou o Serviço Paz e Justiça na América Latina (SERPAJ- AL) usam o
prestígio do Nobel para expandir projetos de solidariedade a vítimas de
violência política e militar.
O Nobel
da Paz entre símbolos e contradições políticas
A história da premiação também
revela contradições, sobretudo quando políticos de alto poder são laureados
mesmo em meio a ações militares controversas.
“Ao se jogar no colo de Trump, Marina se
apequena. O grito do oprimido é mais sincero do que o do opressor. Espero que,
se um dia alcançar a justiça e liberdade que almeja, seja capaz de um regime
verdadeiramente democrático permitindo a existência da oposição”, pondera Rosalvo
Salgueiro.
Um exemplo marcante é Barack
Obama, presidente dos Estados Unidos entre 2009 e 2017. Laureado com o Nobel da
Paz em 2009, logo no início de seu mandato, o prêmio foi justificado por sua
“visão e esforços pela diplomacia internacional e cooperação entre povos”. No
entanto, seu governo ficou marcado pelo aumento de intervenções militares e
operações de drone em países como Síria, Iêmen, Afeganistão e Paquistão,
fazendo dele o presidente americano que mais bombardeou depois da segunda
guerra mundial.
“Como é que o Barack Obama
ganha um Prêmio Nobel da Paz? Isso dá inclusive direito do Donald Trump achar
que ele merece o prêmio mesmo quando ele cria uma guerra. Desde o começo na
questão de Israel ele tinha o ‘domínio do fato’. Ele podia parar esse genocídio,
a hora que quisesse, deixou chegar no absurdo que foi por vontade própria,
porque Israel só faz o que os Estados Unidos deixam fazer”, disse Salgueiro.
Críticos apontam que, nesse
contexto, o Nobel da Paz se aproxima de um instrumento político, muitas vezes
usado para reforçar a imagem internacional de líderes poderosos,
independentemente de suas ações reais. A premiação de figuras políticas com
grande influência contrasta com o reconhecimento dado a ativistas que arriscam
suas vidas contra regimes autoritários, como Adolfo Pérez Esquivel na Argentina
ou Shirin Ebadi no Irã.
Essa dualidade levanta questões
sobre o próprio conceito de “paz” adotado pelo comitê norueguês: seria ele
sempre ligado à promoção de direitos humanos e justiça social, ou também um
reflexo de estratégias diplomáticas e interesses geopolíticos globais? Para
muitos analistas, o Nobel da Paz oscila entre honra genuína e instrumento
simbólico de legitimação política.
🕊️ Veja abaixo a lista de todas as mulheres laureadas com
o Prêmio Nobel da Paz:
1905 – Bertha von Suttner (Áustria)
Primeira mulher a receber o
prêmio, reconhecida por sua militância pacifista e influência na criação do
prêmio.
1931 – Jane Addams (EUA)
Ativista social e fundadora da
Hull House, dedicada ao bem-estar de imigrantes e à promoção da paz.
1946 – Emily Greene Balch
(EUA)
Líder pacifista e co-presidente
da Women's International League for Peace and Freedom.
1976 – Betty Williams e
Mairead Corrigan (Irlanda do Norte)
Fundadoras do movimento
"Community of Peace People", promovendo a paz durante o conflito na
Irlanda do Norte.
1979 – Madre Teresa
(Índia/Albânia)
Fundadora das Missionárias da
Caridade, reconhecida por seu trabalho humanitário em Calcutá.
1982 – Alva Myrdal (Suécia)
Diplomata e defensora do
desarmamento nuclear.
1991 – Aung San Suu Kyi
(Birmânia/Myanmar)
Líder política e defensora dos
direitos humanos, símbolo da luta pela democracia no país.
1992 – Rigoberta Menchú Tum
(Guatemala)
Líder indígena e defensora dos
direitos dos povos nativos e da justiça social.
1997 – Jody Williams (EUA)
Coordenadora da Campanha
Internacional para a Proibição de Minas Terrestres.
2003 – Shirin Ebadi (Irã)
Advogada e defensora dos direitos
humanos, especialmente das mulheres e crianças no Irã.
2004 – Wangari Maathai
(Quênia)
Ativista ambiental e fundadora do
movimento Green Belt, promovendo a sustentabilidade e os direitos das mulheres.
2011 – Ellen Johnson
Sirleaf, Leymah Gbowee e Tawakkol Karman (Libéria e Iémen)
Reconhecidas por seus esforços na
luta pela paz e pelos direitos das mulheres em seus países.
2014 – Malala Yousafzai
(Paquistão)
A mais jovem laureada,
reconhecida por sua luta pelo direito à educação das meninas.
2018 – Nadia Murad
(Iraque)
Ativista yazidi e defensora dos
direitos das mulheres, especialmente vítimas de violência sexual.
2021 – Maria Ressa
(Filipinas)
Jornalista e defensora da
liberdade de imprensa em um ambiente de crescente repressão.
2023 – Narges Mohammadi
(Irã)
Ativista dos direitos humanos,
reconhecida por sua luta contra a opressão no Irã
2025 – María Corina
Machado (Venezuela)
Líder da oposição, premiada por
sua luta pela democracia e pelos direitos humanos na Venezuela.
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